Antes da pandemia, o Nordeste festivo era uma das grandes gerações de renda e empregos informais. Disputando com Campina Grande (PB) o título do maior São João do mundo, Caruaru é prova disso. Em 1993, há 28 anos, quando escrevi O Nordeste que deu certo, descobri que por trás de um passo pra lá e outro pra cá do forró existe uma verdadeira indústria.
Naquele ano, Caruaru atraiu 300 mil turistas em 30 dias, tempo que dura o ciclo dos festejos juninos. A festa movimentou 15 milhões de dólares na economia do município. Hotéis, restaurantes, bares, artistas, enfim, um enorme segmento da sociedade fatura alto, gera milhares de empregos. A seguir veja neste capítulo original do livro os bastidores dessa rica e próspera festa, que devido à pandemia, não é realizada pelo segundo ano consecutivo.
Nos passos e na economia do forró
Capítulo 16
A projeção nacional dada aos festejos juninos de Caruaru, principalmente este ano, quando 300 mil pessoas visitaram a cidade durante os 40 dias de comemorações, foi fundamental para alimentar a principal indústria da cidade: a do forró. Entre o final de maio e o São Pedro, quando encerra o ciclo, o faturamento do comércio sobe para as estrelas e, por tabela, todo mundo sai ganhando – do simples vendedor de milho ao empresário hoteleiro.
Segundo estimativas da Prefeitura, o São João deste ano movimentou na rede bancária em torno de US$ 15 milhões. “A cidade parecia mais um formigueiro humano”, lembra a jornalista Marlene Leandro, que se envolveu na organização do evento. Esse formigueiro foi responsável pela lotação dos sete hotéis e dos oito motéis da cidade, além de dezenas de casas alugadas por turistas procedentes de todos os cantos do País.
As principais emissoras de televisão montaram uma gigantesca estrutura, a 50 metros do Pátio do Forró, para entradas ao vivo, incluindo a Rede Globo. O investimento na mídia eletrônica foi patrocinado pelo Governo do Estado, que desembolsou 25 milhões de cruzeiros reais para cobrir gastos com propaganda, principalmente na TV. O prefeito José Queiroz (PDT) reconhece que essa divulgação ajudou e muito na conquista dos 300 mil visitantes. “Batemos o recorde de público”, diz o prefeito. Estimulado com o sucesso do forró, ele já está pensando em produzir novos eventos para suprir as lacunas abertas entre o São João e a Semana Santa (que também atrai muitos turistas) e o Carnaval.
Toda essa movimentação tem uma explicação: é que Campina Grande está a apenas 120 km e é uma concorrente forte, tanto no forró como na atração de investimentos e também no comércio atacadista e de varejo. Mas ninguém na cidade, a começar pelas lideranças políticas, gosta de reconhecer essa realidade. Fica a impressão de que a concorrência não terá limites a partir de agora, quando Caruaru deu “um banho” na mídia em torno do forró, deixando Campina Grande em segundo plano.
O imenso pátio
O símbolo da “indústria do forró” é o “Pátio do Forró”, uma área de quatro mil metros quadrados, com capacidade para comportar 100 mil pessoas. Localiza-se no coração de Caruaru, na avenida Rui Barbosa, e para montá-lo a Prefeitura gasta, no mínimo, US$ 400 mil, na compra de 400 mil telhas e 16 mil metros cúbicos de madeira.
É em torno do pátio que os filhos pródigos dessa indústria de fazer riqueza trabalham e, em 40 dias, faturam o que muitos operários da confecção de roupas e calçados não fazem durante um ano inteiro. O microempresário Ramiro Spíndola, dono de uma banca de revistas no centro, e repórter-fotográfico nas horas vagas, faz tudo para aumentar sua receita durante o São João. Sua venda de revistas triplica, porque a população sai à procura de novos modelos de roupa.
Os taxistas alugam seus carros por temporada ou dobram o faturamento conduzindo turistas pelos pontos de atração da cidade ou até viajando pela região. Ao todo, são 360 taxistas cadastrados. No auge do forró é humanamente impossível conseguir um táxi. “Eu não fico parado um só instante. Quando descanso, meu filho assume meu lugar”, diz o motorista José Francisco Silva, 48 anos, acrescentando que chega a triplicar sua renda durante os 40 dias de forró.
O comércio, que conserva ainda a tradição interiorana de fechar para o almoço entre 12h e 14h fica permanentemente aberto durante o período junino e fatura 100% a mais. Os atacadistas de papel aumentam seus estoques de forma impressionante para atender os pedidos da região. O papel serve para tudo: ornamentar ruas com bandeirolas, fazer balões, decorar e produzir inúmeras motivações juninas.
Os sulanqueiros são aqueles que mais faturam. Segundo levantamento feito pelo Sebrae, junho é o mês de maior volume de vendas. Quem tem fabriqueta de fundo de quintal – perfil da maioria - aumenta a produção de roupas típicas da época. Lojas especializadas em arranjos seguem o mesmo exemplo, assim como as indústrias de confecção de roupa de frio (o São João é realizado na época mais fria da região).
Uma coisa puxa outra: os fabricantes de fogos de artifício se preparam para atender à demanda desde cedo. “Os pedidos começam em abril”, diz o comerciante José Tavares de Oliveira, revendedor de fogos. Em Caruaru, existem três fábricas que produzem todo tipo de atração para a garotada, universo maior de consumo, e cerca de oito revendedoras autorizadas, além de uma dezena sem registros.
As madeireiras também são parte integrante desse universo. Num cálculo estimativo da Prefeitura, 20 mil fogueiras foram acesas no São João, o que representa 20 mil metros cúbicos de lenha. Só a Prefeitura, para dar um toque especial nessa época, ergueu a maior fogueira do mundo, com 15 metros de altura.
Tecidos típicos da época são os que dão maior lucro aos comerciantes de confecções. Os mais procurados são chita e popeline, mas muita gente usa renda, compra lenços para fazer arranjos e também meias.
“Na época do São João até cabeleireiro tem que ser reservado 30 dias antes”, diz a jornalista Marlene Leandro. Exageros à parte, na realidade não há nada que não tenha obtido sucesso em função do forró. “As casas de discos - lembra Leandro - vendem tanto, que a cidade passou a assistir a um crescimento exagerado de pontos de vendas de fitas e discos”.
Quem ganha muito dinheiro, também, são os donos de carros de som, alugados por empresários artísticos para anunciar os shows e atrações de cada noite. “Muita gente recorre a outras cidades e até ao Recife. Andar pela cidade é um inferno com o barulho de tanto som”, diz o secretário municipal de turismo, Vilmar Souza.
Comércio paralelo
Se chover nos 60 dias que antecedem o São João de Caruaru, os produtores rurais faturam alto na venda de milho verde. Em 93, devido à seca, o milho consumido veio praticamente de fora, inclusive de outros Estados, como Ceará e Rio Grande do Norte. Calcula-se que foram vendidas 60 mil espigas por semana.
Os derivados do milho, como a pamonha, a canjica e o bolo, são também procuradíssimos pelos visitantes que invadem Caruaru para curtir o mais autêntico forró nordestino. As indústrias de bebidas, além de patrocinarem a festa e brigarem pela mídia, a exemplo da Brahma e Antarctica, redobram suas atenções para o ciclo junino e é incalculável o faturamento, dado o consumo não ter uma média que sirva de parâmetro.
Outro segmento que torce para o São João durar o ano inteiro é o de transportes urbanos. As empresas da região, como a Caruaruense e a Jotude, disputam com a Progresso, do Recife, a preferência dos passageiros. Elas chegam a triplicar a frota, colocando ônibus especiais a cada meia hora entre Recife e Caruaru.
As kombis de lotação pegam carona na “onda do forró” e engordam o faturamento dos seus proprietários. “Todo meio de transporte anda lotado. Não dá para quem quer”, admite o ex-prefeito João Lyra Neto, dono da Empresa Caruaruense, antigo monopólio e que concorre agora com mais duas, sendo uma da região.
E os hoteleiros? Estes andam rindo à toa com a movimentação junina e torcem para que novos eventos criados pela Prefeitura acertem e atraiam mais turistas.
Terreiros de luxo
Duas casas de shows são frutos legítimos da “indústria do forró”: O Forrozão, mais antigo, e que comporta doze mil pessoas, e o Palladium, a mais moderna casa de espetáculos do Nordeste. Não apenas moderna como também luxuosa. São 41 camarotes, sendo doze especiais com suíte e uma área construída para atender aproximadamente 12 mil pessoas.
Durante os 40 dias da folia do forró, elas disputam o mercado acirradamente, investem alto na assinatura de contratos com os mais famosos artistas do País. “Não há uma atração que não tenha casa cheia”, adianta Vilmar Souza. O Palladium, por ser um dos maiores investimentos do gênero do País, encanta e espanta quem o visita. Uma chuva torrencial, há dois anos, destruiu 70% da sua estrutura, mas o empresário Antônio Gonçalves, dono da casa, a recuperou depois de um período de seis meses. O Palladium, a exemplo do Forrozão, tem espaço para 12 mil pessoas, e seu mais forte concorrente está em Campina Grande, o Spazzio, tão luxuoso quanto ele.
Caruaru não vive apenas de atrações nacionais e do forró moderno. Há o original, o verdadeiro pé-de-serra, que espalha a poeira pelo chão, dançando no barro duro ou ao ar livre nos palhoções dos bairros periféricos.
O “Forró do Sitio”, no sítio Juriti, e o de Rita Vênus, em Dois Riachos, no interior do município, são os mais conhecidos. Cantores bregas, a exemplo de Maurício Reis, fazem sucesso na Rita Vênus. Até os soçaites de Caruaru arriscam a dar um pulinho naquela área de diversão, para fugir da rotina. São exemplos como esse que retratam a outra face do forró caruaruense: o do lado folclórico, que conserva todas as tradições. “Quem visitar Caruaru e abusar da parafernália eletrônica, é só desviar o roteiro e ir ao “Forró do Sibio” e curtir o autêntico forró de sanfona, zabumba e triângulo”, diz o jornalista Júlio Paschoal, um dos estudiosos das manifestações folclóricas de Caruaru.
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