O senador Roberto Requião (MDB-PR), em seu primeiro discurso na sessão do Senado de 2018, nesta segunda-feira (5), analisou a realidade do país hoje, mostrou a falácia da cobertura da mídia, que revela uma visão distorcida dos fatos, e convocou os brasileiros à batalha pela reconquista da soberania nacional, a estar com do lado da Pátria, do Povo, ou se arrepender.
O senador divulgou ainda um texto do professor Maurício Abdala, da Universidade Federal do Espírito Santo, publicado no jornal “Le Monde Diplomatique”, que mostra quem são e como agem os donos do poder.
A seguir, assista ao vídeo e leia a íntegra do texto do discurso:
Brasileiros, tomemos consciência: na luta final pela soberania, só tememos a desonra
Roberto Requião*
Há tempo que a ciência e os fatos da vida comprovam que nada é por acaso.
No entanto, embora a ideia medieval da abiogênese, a “geração espontânea”, seja a representação paradigmática daqueles tempos trevosos, ainda hoje a proposição do espontaneísmo resiste e é amplamente aceita, quando se trata da política ou mesmo da economia.
Diariamente, a mídia empresarial espalha a intrujice de que do acúmulo de lixo nascem insetos e ratos, que é possível originar vida de matéria não viva.
Se Humberto Eco foi assertivo ao dizer que a internet liberou infindáveis legiões de néscios, ele esqueceu de acrescentar à turma os comentaristas e ditos analistas de política e economia que infestam as televisões, rádios e jornais da mídia comercial e monopolista.
É notável a incapacidade de raciocinar, de somar dois com dois.
Gramsci dizia que não existe o canalha absoluto, que o canalha absoluto é uma criação ficcional.
Essa generosidade do filósofo que sofreu no corpo debilitado os horrores do fascismo sempre me impressionou.
Então, se concedemos que nem todos sejam canalhas plenos, integrais, resta outra suposição: a burrice córnea.
A ceratina penetrou de tal forma na cabeça dessa gente que as tornou duras, resistentes, impermeáveis à verdade dos fatos.
Se, ato contínuo à ampliação de nosso mar territorial de 12 para 200 milhas marítimas, em 1970, sob Garrastazu Médici, os norte-americanos movimentam sua IV Frota — por mais que o governo militar fosse um aliado incondicional– não o fazem para competir com os franceses na pesca da lagosta.
Se, sob Ernesto Geisel, em 1975, de repente, os Estados Unidos tornam-se guardiões dos direitos humanos e pressionam a ditadura brasileira, não é porque a tortura, os assassinatos, o desaparecimento de opositores os preocupassem, e sim os acordos nucleares do Brasil com a Alemanha.
Mais recentemente, quando os norte-americanos grampeiam a presidente Dilma, monitoram suas conversas, perscrutam suas decisões e controlam sua comunicação com ministros, auxiliares e políticos, não estão à procura da receita de sua dieta para emagrecer.
Quando os serviços de espionagem dos Estados Unidos invadem, vasculham, devassam todas as informações da Petrobrás, não são os Cerveró, os Duque, os Paulo Roberto Costa, os Youssef, os Barusco ou os Sérgio Machado que os mobilizam.
A corrupção é um segredo de polichinelo, o pré-sal o prêmio.
Se, antigamente, a Escola das Américas era o centro formador dos torturadores, dos assassinos estatais, dos sabotadores dos governos populares e nacionalistas, hoje, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em cooperação com o FBI, a CIA, a NSA, encarrega-se de seduzir, domesticar e abduzir juízes, procuradores e policias. E políticos é claro.
A produção de cabos Anselmo não foi interrompida, sofisticaram-se os meios e os métodos. Ao invés dos sicários a soldo, temos os heróis de almanaques.
Os super-juízes, os super-procuradores, e, como contrafação, já que nenhuma exageração escapa do ridículo, temos o japonês da federal. E o coreano do MBL.
Quando o presidente Lula sanciona, em 2010, a Lei da Ficha Limpa e a presidente Dilma, em 2013, assina a Lei das Organizações Criminosas, disciplinando a delação premiada; quando se desequilibra a harmonia entre os poderes, e produz-se a hipertrofia do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal; quando o presidencialismo de coalizão cede a um Parlamento que se transformou em mandalete dos financiadores de campanha; quando o presidente Lula coloca no Banco Central e no Ministério da Fazenda homens de confiança do mercado financeiro; quando a presidente Dilma, na crise política após as jornadas de 2013 e a eleição de 2014, adota políticas neoliberais, aprofundando a crise; quando tanto um como outro presidentes constrangem-se diante das pressões da mídia monopolista e comercial e fogem de adotar aqui as mesmas legislações que os norte-americanos e alguns países europeus adotaram para democratizar os meios de comunicação; quando tudo isso somado produz um salto qualitativo, temos o golpe e seu corolário de horrores: a alienação da soberania nacional, a entrega do petróleo, dos minérios, das terras, da água, a destruição da República Social, a sabotagem da Petrobrás, as privatizações. E o aceleramento da marcha da desindustrialização e da precarização da ciência e da tecnologia.
Na divisão internacional do trabalho é o papel que nos reservam: celeiro do mundo, exportador de grãos e de matérias primas minerais, fornecedor de petróleo. E de água! Afinal, vimos em Davos a Nestle e a Coca- Cola renovarem a cobiça pelo aquífero Guarani, uma das maiores reservas de água doce do planeta.
Senhoras e senhores, esses são os fatos da realidade. Essa é a verdade que os fatos revelam, por mais que o cinismo e a estultícia da grande mídia tentem perverter e adulterar a natureza das coisas.
Como antídoto para o massacre diário do discurso antinacional, antidemocrático e antipopular que se estabeleceu no país, quero oferecer um texto do professor de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo, Maurício Abdala, publicado no “Le Monde Diplomatique”.
Os 13 pontos do professor Abdala são uma leitura necessária para quem ama o Brasil e acredita que ainda é possível vencer esses tempos tão sinistros da nossa história.
Vamos ao contraveneno às sandices daqueles que acreditam que do lixo que produzem é possível brotar alguma vida.
Vamos lá.
1 – O foco do poder não está na política, mas na economia. Quem comanda a sociedade é o complexo financeiro-empresarial com dimensões globais e conformações específicas locais.
2 – Os donos do poder não são os políticos. Estes são apenas instrumentos dos verdadeiros donos do poder.
3 – O verdadeiro exercício do poder é invisível. O que vemos, na verdade, é a construção planejada de uma narrativa fantasiosa com aparência de realidade para criar a sensação de participação consciente e cidadã dos que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.
4 – Os grandes meios de comunicação não se constituem mais em órgãos de “imprensa”, ou seja, instituições autônomas, cujo objeto é a notícia, e que podem ser independentes ou, eventualmente, compradas ou cooptadas por interesses. Eles são, atualmente, grandes conglomerados econômicos que também compõem o complexo financeiro-empresarial que comanda o poder invisível.
Portanto, participam do exercício invisível do poder utilizando seus recursos de formação de consciência e opinião.
5 – Os donos do poder não apoiam partidos ou políticos específicos. Sua tática é apoiar quem lhes convém e destruir quem lhes estorva. Isso muda de acordo com a conjuntura. O exercício real do poder não tem partido e sua única ideologia é a supremacia do mercado e do lucro.
6 – O complexo financeiro-empresarial global pode apostar ora em Lula, ora em um político do PSDB, ora em Temer, ora em um aventureiro qualquer da política. E pode destruir qualquer um desses de acordo com sua conveniência.
7 – Por isso, o exercício do poder no campo subjetivo, responsabilidade da mídia corporativa, em um momento demoniza Lula, em outro Dilma, e logo depois Cunha, Temer, Aécio, etc. Tudo faz parte de um grande jogo estratégico com cuidadosas análises das condições objetivas e subjetivas da conjuntura.
8 – O complexo financeiro-empresarial não tem opção partidária, não veste nenhuma camisa na política, nem defende pessoas. Sua intenção é tornar as leis e a administração do país totalmente favoráveis para suas metas de maximização dos lucros.
9 – Assim, os donos do poder não querem um governo ou outro à toa: eles querem, na conjuntura atual, a reforma na previdência, o fim das leis trabalhistas, a manutenção do congelamento do orçamento primário, os cortes de gastos sociais para o serviço da dívida, as privatizações e o alívio dos tributos para os mais ricos.
10 – Se a conjuntura indicar que Temer não é o melhor para isso, não hesitarão em rifá-lo. A única coisa que não querem é que o povo brasileiro decida sobre o destino de seu país.
11 – Portanto, cada notícia é um lance no jogo. Cada escândalo é um movimento tático. Analisar a conjuntura não é ler notícia. É especular sobre a estratégia que justifica cada movimento tático do complexo financeiro-empresarial (do qual a mídia faz parte), para poder reagir também de maneira estratégica.
12 – A queda de Temer pode ser uma coisa boa. Mas é um movimento tático em uma estratégia mais ampla de quem comanda o poder. O que realmente importa é o que virá depois.
13 – Lembremo-nos: eles são mais espertos. Por isso estão no poder.
Senhoras e senhores, Brasileiros, os pressupostos estão aí. Mas essa compreensão incisiva da realidade obriga-nos um passo seguinte: a ação.
Depois que Hitler invadiu a França, despojando-a de sua soberania, anulando-a como nação, Charles de Gaulle chamou seus compatriotas à resistência, acima dos interesses de cada um. O que estava em jogo era a existência do país, seus valores, suas tradições, suas crenças, sua identidade.
Até mesmo os contrabandistas que tão bem conheciam as fronteiras da França, até eles foram convocados à grande tarefa de libertação do país.
Não estou insinuando que, no caso da grande tarefa de libertação do Brasil, até corruptos devam ser convocados, mesmo porque boa parte deles estão de papo para o ar, refestelados nos milhões com que foram premiados pela delação.
Convoco os homens e as mulheres que amam este país, que abominam a corrupção e o entreguismo.
Que rejeitam ser escravos do dinheiro; que não aceitam a prevalência do capital financeiro sobre o capital produtivo.
Que não querem ver esse país tão rico transformado em uma plantation colonial, a ofertar ao mundo desenvolvido grãos, minérios, petróleo, terras e água.
Que não querem ver os nossos trabalhadores transformados em mão de obra semiescravizada, para o desfrute global.
Com Shakespeare e Henrique V, antes da batalha de Agincourt, encerro dizendo: aqui estão os brasileiros que deviam estar. E os que não estiverem vão se arrepender até o fim de suas vidas não terem estado conosco.
Nada temos a perder, pois o que tínhamos está sendo surrupiado, desbaratado e vendido a preço de banana pelos entreguistas do Brasil, com a prestimosa colaboração de alguns tolos que se arvoram em heróis da pátria.
*Roberto Requião é senador da República, no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba, secretário de estado, industrial, agricultor, oficial do exército brasileiro e advogado. É graduado em direito e jornalismo com pós graduação em urbanismo e comunicação.
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