06/07/2015 15:22
Peter Frymuth, diretor da Federação Alemã, indica caminho para renovar o futebol brasileiro
Por: Lucas Bettine
lucas.bettine@diariosp.com.br
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Assim como o Brasil, a Alemanha sempre teve tradição no futebol. Assim como o Brasil, a Alemanha ganhou vários títulos mundiais e continentais. Assim como o Brasil, a Alemanha viveu um período de crise. As coincidências param por aí.
Enquanto os dirigentes responsáveis pelo futebol nacional insistem em chamar o Brasil de “País do Futebol” e consideram o 7 a 1 um acidente, os alemães adotaram a humildade para repensar toda a estrutura do esporte no país. Deu certo. Gol da Alemanha.
Antes de mais nada, decidiram unir forças. A Federação Alemã se reuniu com a liga que organiza os campeonatos nacionais e os representantes dos técnicos. Era preciso pensar em algo que contasse com a ajuda de todos. Gol da Alemanha.
“Viemos de duas eliminações nas quartas de final da Copa (1994 e 1998) e, em 2000, tivemos campanha pífia na Eurocopa, com eliminação na fase de grupos, com um ponto em três jogos. Nosso futebol estava feio e decidimos que era hora de mudar”, contou, ao DIÁRIO, Peter Frymuth, vice-presidente de operações da liga e de desenvolvimento do futebol.
Mas por onde começar? Pela base e pela mentalidade dos técnicos. Os treinadores dos garotos assumiram que não sabiam tudo e foram a países como Holanda e Espanha para aprender. Gol da Alemanha.
A federação obrigou os clubes a investir em academias de base. Nos últimos 15 anos, mais de R$ 2 bilhões já foram gastos nesse setor. Gol da Alemanha.
Além disso, o país entendeu que estrangeiros não eram uma ameaça. Abriram as portas para filhos de imigrantes, na base, e jogadores e técnicos de outros países, no profissional. A mistura tornou o futebol mais vistoso. Gol da Alemanha.
Paciência/ As coisas não começaram a dar certo do nada. Foram duas eliminações em Copas, uma delas em casa. Nem por isso Joachim Low, técnico da seleção desde 2006, foi demitido ou a base do time, desfeita. Gol da Alemanha.
“Mesmo com o vice-campeonato, em 2002, sabíamos que algo estava errado. Em cima disso, o projeto foi a longo prazo. Os frutos seriam colhidos mais para a frente, mas conseguiríamos formar uma base forte”, explicou Frymuth.
E o que aconteceu? A Alemanha foi campeã mundial, a liga ultrapassou a italiana em importância, os jogadores do país viraram alvo de vários clubes do mundo e a base vem revelando. Gol da Alemanha.
Enquanto isso, nada de gol de honra para o Brasil. Nesse jogo, o nosso futebol vem levando de zero, mesmo.
As grandes mudanças do futebol alemão
1 - Investimento nas categorias de base
Desde 2001, os clubes das duas primeiras divisões são obrigados a investir na base. Até hoje, cerca de R$ 2 bilhões foram gastos com centros de treinamento e academias de preparação. Fora isso, estruturas foram criadas para a formação de garotos de até 14 anos, com estudos, não só futebol.
2 - Ajuda na evolução tática dos técnicos
A preparação dos técnicos foi fundamental para o surgimento do futebol de qualidade. Treinadores do país fizeram intercâmbio em lugares como Espanha e Holanda para melhorarem a formação dos atletas. O país aceitou abrir mão de métodos tradicionais para evoluir.
3 - Paciência na hora de colher os resultados
As vitórias não viriam do dia para a noite. A seleção alemã ficou com o terceiro lugar em duas Copas do Mundo seguidas antes de levar o título, no Brasil. A falta de taças não fez com que todo o trabalhoso processo fosse interrompido.
4 - O planejamento foi mantido.
Manutenção de Low à frente da seleção e demitir treinador não faz parte da filosofia. Joachim Low está no cargo do time principal desde 2006, pouco importando se não ganhou uma Eurocopa até agora ou se só foi levantar a taça do Mundial em 2014. Antes disso, foi auxiliar de Klinsmann, seu antecessor.
5 - Preocupação em elevar o nível da Bundesliga
Melhorar o nível do campeonato nacional também estava em pauta. O futebol de qualidade se refletiu nos clubes e a Bundesliga cresceu. Hoje, os estádios estão sempre cheios, os times são mais competitivos e a liga nacional ultrapassou a Italiana em importância.
6 - Jogadores bem cotados no futebol europeu
Nas gerações anteriores, em sua grande maioria, os alemães só se encaixavam no futebol do país. Hoje, Ozil joga no Arsenal, Kroos, no Real Madrid e Poldolski, na Inter de Milão. Além disso, há nomes como Muller e Schweinsteiger, que interessam a diversos clubes.
7 - Influência estrangeira deixou de ser uma ameaça
Ozil é de família turca, Podolski, polonesa, e vários atletas da base têm laços em outros países. Os estrangeiros deram nova mentalidade ao futebol.
ENTREVISTA
Peter Frymuth_ Diretor da Federação Alemã
‘Engolimos nosso orgulho, sem ter medo de mudar’
DIÁRIO_ Qual foi a primeira coisa que pensaram em mudar?
PETER FRYMUTH_ Estávamos com uma equipe velha e com um futebol pouco atraente. Era preciso mexer na estrutura, criar talentos, mudar a mentalidade dos técnicos e fazer com que apostassem nos jovens.
Como os rumos de cada setor foram alterados?
Na base, fizemos os clubes investir. De 2001 para cá, todos os clubes das duas primeiras divisões tiveram de criar academias de base. Já são cerca de R$ 2 bilhões em centros de treinamento. Temos academias em convênio com escolas para garotos até 14 anos. Lá, eles têm uma formação educacional, além do futebol.
E em relação aos técnicos?
Antes mesmo de investir nos CTs, mandamos treinadores para Espanha, Holanda e França, para um intercâmbio na formação de atletas.
Como isso afetou os clubes?
É um sistema interligado. Os clubes passaram a jogar mais bonito. Aceitamos melhor a presença de estrangeiros, repensamos táticas e tornamos o futebol atraente. Hoje, temos uma carência de cabeceadores, fato impensável antes de 2000.
E a Bundesliga é um sucesso...
Basta ver o público e o nível dos clubes. Os estádios estão cheios. Tivemos alemães entre os quatro primeiros nas últimas seis Ligas dos Campeões. Tiramos uma vaga da Itália na Liga dos Campeões (hoje, quatro alemães e três italianos vão para o torneio. Antes, era o contrário).
Como isso elevou o nível dos jogadores do país?
Eles entenderam o conceito desde sua formação. O futebol alemão é vistoso e outros clubes se interessam por nossos jogadores. Temos o Kroos no Real Madrid, o Ozil no Arsenal e nomes como Muller, Schweinsteiger, Gotze interessando a vários clubes. Antes, com exceções, o alemão só se encaixava na Alemanha.
Qual foi a principal virtude da Alemanha no processo?
Paciência. Não dava para mudar tudo só porque não ganhamos a Copa em casa, em 2006. Mantivemos o Joachim Low (técnico). Antes disso, ele era assistente do Klinsmann. Fomos terceiros em 2010 e só no Brasil veio a taça. Entre os clubes, só voltamos a brigar na Liga dos Campeões com o vice do Bayern, em 2010.
Como o senhor vê o momento atual do futebol brasileiro?
O Brasil passa por um período de crise técnica. O 7 a 1 não deve acontecer de novo, mas mostra algo errado.
Quais conselhos o senhor daria para o futebol do Brasil mudar?
Falando pela nossa experiência, engolimos nosso orgulho, sem medo de mudar. Por mais títulos que você tenha, é preciso ver quando há algo para aprender. E sempre há algo.
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