Do Blog do Magno
Postado por Madalena França
Os segredos de Arraes no túmulo
Confúcio foi um pensador e filósofo chinês cuja pregação versava sobre a moralidade pessoal e governamental. Também focava os procedimentos corretos nas relações sociais, era justo e sincero.
Chamado para a última morada ontem, a celestial, o jornalista Fernando Mendonça era confuciano: firme, paciente, simples, natural e tranquilo. Quem é assim está perto da virtude, segundo o pensador chinês. E ele era virtuoso.
Virtude é a disposição de uma pessoa de praticar o bem. Arraesista fervoroso, tendo saído com Miguel Arraes por força da ditadura em 64 pela mesma porta que entrou de volta em 1987, após a campanha memorável de 86, Fernando, como ouvi do amigo comum Eduardo Monteiro certa vez, era um homem de caráter indômito, que não é dobrado nem vencido.
Com ele, na fornalha das primeiras impressões da Folha de Pernambuco, que plantou suas sementes integrante do exército de abnegados jornalistas mobilizados por Eduardo Monteiro, aprendi que jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique, uma paixão insaciável, palpitação sobrenatural pela notícia. Mais do que isso, que sem jornalismo não há revolução.
Mendonça, para ser mais sincero e preciso, foi um segundo pai para mim. Conselheiro e conciliador, se constituiu no enviado de Deus para apaziguar minhas divergências, sadias e honestas, com Eduardo Monteiro. E não foram poucas! Entre um trago de charuto cubano e um vinho tinto chileno, me fez fumar incontáveis cachimbos da paz com nosso chefe da notícia, com cheiro de tinta fresca, efeito de nitroglicerina pura.
Eduardo é um homem movido a paixões, ouvi dele em incontáveis oportunidades. Enquanto editorialista da Folha, Mendonça lia os pensamentos de Eduardo e transcrevia na Folha com uma fidelidade canina. Mendonça foi fiel a quem com ele se comportou como cúmplice. Em 64, viveu os momentos mais tensos da sua vida, viu nos coronéis o ódio que moviam contra um homem com cheiro de povo, altivo e corajoso da estirpe de Miguel Arraes.
Na convivência com o mito de carne e osso, que o povo usava sua foto para fazer chá, em meio à emoção da sua volta pela porta que saiu, Mendonça dizia o que poucos tinham coragem, olho no olho, com a sua verve política e visão jornalística.
Fernando Mendonça morreu levando os segredos de Arraes para o túmulo. Bem que insisti, no tempo em que convivi com ele, em passar tudo que viveu em um livro de memórias. Mendonça era tão próximo de Arraes que foi a ele que o então governador entregou a missão de colher assinaturas para um abaixo assinado em favor de João Goulart, deposto pelo golpe militar de 64.
Mendonça viveu mais de 80 anos, era a própria notícia, mas preferiu passar os dias que Deus lhe deu na missão terrena fazendo a notícia.
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