As decisões individuais dos ministros da Corte, muitas vezes contrariando a posição da maioria do tribunal, provocam insegurança jurídica e confusão política
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
ÉPOCA – Marcelo Moura, Aguirre Talento, Mateus Coutinho e Patrik Camporez
Já tem um tempo que o cabelo emplastrado e a barba grisalha conferem ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, um ar mais judicioso e prudente. No meio da tarde da última quinta-feira, Toffoli pousou o queixo numa caneta vermelha para ponderar, catedrático, sobre como “a sociedade, a imprensa, os meios de comunicação social e as chamadas redes sociais” reproduzem “o folclore e a falsa ideia” de que o Supremo é lento em julgar ações. Naquela perna do U que forma o plenário do Supremo, o decano Celso de Mello, à esquerda de Toffoli, preocupava-se em organizar sua bancada, amassar e descartar um pedaço de papel. Gilmar Mendes estava ausente. Pela direita, Rosa Weber fitava hipnotizada a tela de seu computador. Edson Fachin assistia à palestra de Toffoli atentamente.
Toffoli abre os braços, mãos espalmadas em indignação, e começa a fazer um balanço de sua produtividade. “Tomei posse aqui no dia 23 de outubro de 2009. Nesse período, passaram pelo meu gabinete 35 ações penais. Vinte e seis foram solucionadas. Apenas nove estão constando ainda do meu acervo. Sem citar o nome dos réus, vou mencionar uma por uma e em qual fase ela está.” Toffoli checa a reação dos colegas. Não há nenhuma. O ministro esforçava-se para estender sua preleção. Por quase uma hora, interrompido algumas vezes por apartes de colegas, Toffoli tentou justificar por que faria o que todos sabiam que ele faria em seguida.
Desculpou-se por ter de deixar o plenário para cumprir um “compromisso médico no posto”. E pediu vista do processo que discutia a restrição do foro privilegiado para políticos.
A ação de Toffoli só serve para paralisar um julgamento que já estava decidido. Seis dos 11 ministros do Supremo haviam se manifestado favoráveis à restrição do foro – depois de Toffoli, o decano ainda adiantaria seu voto, somando sete votos pela restrição ao privilégio. A maioria estava formada. Mas Toffoli pediu vista do processo mesmo assim. Num movimento solitário, imobilizou o andamento de uma ação de altíssimo interesse público.
As decisões individuais dos ministros da Corte têm se tornado jurisprudência. Há casos sucessivos em que ministros decidem sozinhos – ou, no jargão, monocraticamente –, contrariando entendimento já firmado pelo tribunal. Ou usam como arma jurídica o pedido de vista para casos com maioria já formada.
O próprio Dias Toffoli recorrera à manobra do pedido de vista em um processo movido pela Rede para impedir que o então presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, pudesse ser mantido no cargo caso se tornasse réu em uma ação penal. Seis dos 11 ministros já haviam se manifestado a favor do pedido da Rede. Gilmar Mendes pediu vista, em 2014, no processo que decidiria se empresas poderiam financiar campanhas políticas – seis dos 11 ministros já haviam optado por vetar essas doações.
O ministro Ricardo Lewandowski, há duas semanas, devolveu à Procuradoria-Geral da República um acordo de delação premiada que atendia aos moldes firmados por decisões tomadas por colegas de Supremo. A cada nova cisão, abala-se a estabilidade que a Suprema Corte deve conferir ao sistema jurídico no Brasil.
A divisão entre os ministros do Supremo está resultando em decisões monocráticas que ferem a unidade da Corte e, assim, a segurança jurídica do país. “A divergência quanto ao mérito é indispensável à democracia. A divergência por individualismo processual, ao contrário, esgarça a legitimidade do Supremo”, diz Joaquim Falcão, professor titular de Direito da Fundação Getulio Vargas. “É um paradoxo. O Supremo, cuja missão última é criar estabilidade jurídica, está criando instabilidade e insegurança.”
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