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sábado, 21 de outubro de 2017

Aloizio Mercadante: Carta aberta em Defesa da Educação




Buscando esconder as imensas dificuldades de gestão, o ministro da Educação, Mendonça Filho, volta a atacar, em matéria publicada no UOL, na última segunda-feira (16), os governos Lula e Dilma no intuito de criar uma cortina de fumaça sobre os retrocessos que o governo Temer impõe à educação brasileira. Há quase um ano e meio no cargo, a gestão Temer - Mendonça Filho é marcada pelo desmonte e truculência e pela falta de diálogo, sendo que as sequelas, infelizmente, já estão em cada escola e universidade pública do país.

Sobre o orçamento do MEC, o ministro afirmou em outra oportunidade que nos governos Lula e Dilma havia uma “ orgia fiscal”, que sobravam recursos para a educação. Agora, muda o discurso e afirma que recuperou R$ 4,6 bilhões, que tinham sido contingenciados em 2015.  

Em primeiro lugar, é importante considerar que os governos Lula e Dilma construíram um novo padrão de financiamento público para a educação brasileira, por conceberem como a mais importante e estratégica política pública para o país. A Constituição de 1988 deixou avanços no financiamento, especialmente à vinculação dos 18% da receita fiscal federal e os 25% para estados e municípios. 
Apesar do governo FHC ter criado o Fundef, dentro de uma política de foco prioritário na educação fundamental, que não incluiu a educação infantil, o ensino médio, o ensino profissionalizante e as universidades públicas federais, também aprovou também a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que retirou 20% da verba vinculada pela Constituição para a educação.

Nossos governos criaram o Fundeb, que incluiu a educação infantil e o ensino médio nos repasses de recursos, rompendo com a falsa oposição e segmentação, implantando uma política educacional sistêmica, da creche à pós-graduação. Além disso, acabamos progressivamente com a DRU e, no Governo Dilma, foi aprovada a lei que vinculou os recursos dos royalties do petróleo e do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, a mais promissora fonte de financiamento de médio e longo prazo. 

Esse novo padrão público de financiamento, construído nos governos Lula e Dilma, assegurou um crescimento real no orçamento da educação, descontada a inflação, de 206%.  No governo Dilma, tivemos R$ 54 bilhões acima do piso constitucional, de 18% da receita bruta federal, superando a marca de 23% da receita federal com a educação.  

Em 2015, a articulação golpista bloqueou o parlamento, apostando na política do quanto pior melhor, para inviabilizar a gestão orçamentária do governo Dilma.  É preciso lembrar que Congresso não votou o ajuste do déficit fiscal proposto pelo governo Dilma e, de forma inédita, em 2016, liderados de forma dissimulada por Michel Temer e publicamente por Eduardo Cunha, não instalou nenhuma das comissões da Câmara dos Deputados, até o mês de maio.  

A devolução de R$ 4,7 bilhões ao orçamento do Ministério da Educação, tão comemorado pelo atual ministro, só foi possível após o fim do bloqueio das atividades legislativas, com a retomada das votações orçamentárias, que só ocorreu depois do afastamento da presidenta Dilma Rousseff, sem crime de responsabilidade.

Porém, em um período tão curto, a gestão golpista de Temer aprovou a PEC 95, que congela os gastos primários pelos próximos 20 anos, desmontando o padrão de financiamento anterior, revogando o piso de 18% da receita fiscal bruta federal e ameaçando todo esforço dos últimos anos para a educação. 

Na educação técnica profissionalizante, o governo FHC havia interditado as experiências de integração da educação regular com o ensino profissionalizante e interrompido os investimentos nas instituições federais de educação técnica e profissionalizante. Os governos Lula e Dilma criaram e expandiram de 140 para 600 os campi dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. E implantaram o Pronatec, em parceria com o sistema S, que realizou 9,4 milhões de matrículas em educação técnica e profissionalizante, entre 2011 e 2015. 

Em função da crise fiscal e da paralisia do Congresso Nacional, nossa gestão deixou pronto para ser assinado um acordo com os parceiros do Sistema S, que já havia sido anunciado em março de 2016, que, permitiria a abertura de mais 2 milhões de vagas para formação técnica profissionalizante em 2016. Por decisão política da atual gestão, o acordo com o sistema S não foi efetivado e a abertura de inscrições no Pronatec foi cancelada.

Quanto ao ProUni, convém lembrar que o atual ministro da Educação é do DEM, partido que combateu o Enem, votou contra o ProUni e foi ao STF para impedir o programa. Apesar de todo o esforço do partido do ministro Mendonça Filho, em impedir o programa, o Prouni, já distribuiu mais de 1,7 milhões de bolsas de estudos para estudantes de baixa renda em universidades particulares do Brasil, além de ser importante ferramenta na indução para a qualidade. 

O mesmo comportamento teve o partido do atual ministro, o DEM, em relação a Lei de Cotas, que aprovamos em 2012 e que está assegurando metade das vagas das universidades federais para os estudantes das escolas públicas, com recorte de renda e raça, enfrentando os desafios da desigualdade social e da discriminação racial. Destaco que todas as pesquisas acadêmicas demonstram o êxito dessa política, na qual o desempenho dos cotistas é semelhante aos não cotistas no final dos cursos.

São inacreditáveis os ataques que o ministro Mendonça Filho faz ao Fies.  O Fies foi criado no governo FHC e reformulado, em 2010, como ferramenta estratégica para o Brasil resgatar um passado de exclusão e educação superior. Para isso, foi estruturado como um financiamento reembolsável, com prazos mais longos, tendo já beneficiado 2,6 milhões de alunos. Sem o Fies, as matrículas na educação superior seriam aproximadamente 25% menores. 

As ofertas de bolsas reembolsáveis do FIES cresceram depois 2013, a partir das mudanças nas exigências dos avalistas dos estudantes beneficiados, por decisão do Congresso Nacional, que retirou as medidas protetivas e sobrecarregou o fundo garantidor do programa. Quando um novo cenário econômico com restrições fiscais se apresentou, em 2015, uma série de medidas prudenciais foram adotadas, com o redirecionamento das vagas para cursos considerados mais estratégicos, além da vinculação ainda mais exigente à qualidade das instituições ofertantes nas avaliações do Ministério da Educação. 

Além disso, reduzimos o patamar de renda familiar para 2,5 salários mínimos per capita e adotamos uma proporcionalidade para as cinco regiões do país.  As taxas de juros foram elevadas de 3,5% par 6,5% a.a.  No cenário de crise fiscal fizemos um ajuste com qualidade no Fies, com consequente redução da oferta de vagas, mas mantendo o compromisso de inclusão educional.

O volume de crédito do Fies representa menos de 3% do total de crédito público ofertado para atividades empresariais, imobiliárias, agrícolas ou infraestrutura. A oferta de crédito público é historicamente subsidiada, em decorrência das abusivas taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro brasileiro.

Programas de crédito educativo existem em praticamente todos os países desenvolvidos. Nos EUA, por exemplo, o crédito educativo na educação superior já ofertou US$ 1,3 trilhão desde sua criação. Na crise de 2009, quando da explosão da inadimplência, o governo Obama aumentou a oferta em 40%, alongou os prazos de pagamentos para 30 anos, mantendo a prioridade da educação. 

Esse conjunto de políticas públicas de acesso, permanência e indução da qualidade, como: o ProUniI; o Fies; a Lei de Cotas; o ReUni, que expandiu de forma inédita as vagas na rede de universidades federais; acompanhados pela reformulação do Enem e o Sisu permitiu ampliar as matrículas de 3,4 milhões de estudantes para 8,1 milhões na educação superior durante o nosso período de governo. E o mais importante, 35% dos formandos que fizeram o Enade, em 2015, eram os primeiros da família a serem diplomados, uma mudança histórica no acesso à educação superior. A crise econômica associada ao desmonte destas políticas já tem como consequência a redução do número de matrículas presenciais nos cursos de graduação universitária.

Sobre o Ideb, sistema de avaliação criado e aperfeiçoado em nossos governos, no último resultado de 2015, o ensino fundamental, anos iniciais (1º ao 5º ano) foi a etapa de destaque. A meta prevista era de 5,2 e o resultado alcançado foi de 5,5. Só nesta etapa são 117,9 mil escolas e 15,5 milhões de alunos, considerando a rede pública e a rede privada, sendo que 82,5% dos alunos desta etapa pertencem à rede pública municipal.

No ensino fundamental anos finais (6º ao 9º ano), a meta era de 4,7. O resultado alcançado foi de 4,5. Apesar de não ter alcançado a meta, o número representa um aumento de 0,3 se comparado ao Ideb de 2013. Ao todo, nesta etapa, são 62,4 mil escolas e 12,4 milhões de alunos. Ao considerar apenas a rede pública, os dados demonstram que 41,7% dos alunos estão vinculados aos municípios e 43,6% aos estados.

No ensino médio, tivemos um importante avanço no acesso e fluxo. Eram 3,7 milhões de estudantes em 1991, atingindo 10,6 milhões, em 2016. A taxa de matrículas dos jovens entre 15 e 17 anos passou de 41,9%, em 1992, para 88,7% em 2014. No fluxo, a proporção de estudantes com mais de dois anos de atraso nesta etapa, que era de 40,3% em 1992, caiu para 19,1%, em 2014. O resultado do Ideb foi de 3,7 frente a uma a meta de 4,3. 

Apesar dos avanços e de todo este esforço, continuamos tendo um imenso desafio na educação em geral e no ensino médio em particular. Por isso, deixamos pronta a Nova Base Nacional Curricular, depois de uma consulta pública com mais de 12 milhões de participantes, que pretende flexibilizar o currículo, dialogar com os interesses dos estudantes, mas mantendo o mesmo direito de aprendizagem. Depois de dois anos de discussões no Congresso Nacional deixamos pronto, também, o relatório de um novo marco legal para o ensino técnico profissionalizante e sua integração com o ensino médio. 

A atual gestão de forma autoritária e truculenta tentou impor por MP, de cima para baixo, sem qualquer diálogo ou participação social, uma mudança que eliminava disciplinas e impunha alterações no ensino médio sem qualquer consulta a comunidade. Tal medida gerou uma ocupação estudantil prolongada em mais de 1 mil escolas e greves generalizadas dos professores. 

O Congresso retomou o projeto que havíamos deixado amadurecido, fez correções importantes e aprovou um novo marco legal. Porém, a Nova Base Nacional Curricular para o ensino médio foi paralisada pela atual gestão, impedindo a reforma do ensino médio, que é necessária, mas só poderá ocorrer dentro de um processo de diálogo e participação efetiva dos professores e estudantes.

Agora, o que o ministro Mendonça Filho não fala é da deliberada omissão que realizou na divulgação dos resultados do último Ideb, escondendo em um primeiro momento o resultado das escolas públicas federais que tiveram um desempenho igual ou superior ao setor privado. No Pisa, tivemos e um destaque sem precedente na América Latina, novamente com o desempenho dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que se fossem um país ficariam em 11º lugar, entre os 70 países mais ricos do planeta.
O verdadeiro problema é que só neste ano, estes Ifets tiveram um corte de 40% nos investimentos e 15% no custeio e enfrentam uma situação dramática para manter a qualidade e a estratégia de expansão de vagas.  

Nos governos do PT, o Brasil diminuiu o percentual de crianças e jovens fora da escola em todas as fases da educação básica. Nos anos iniciais do ensino fundamental, o percentual de crianças que abandonaram a escola passou de 8,2% em 2001 para 1,1% em 2014. Nos anos finais, caiu de 11,4% para 3,5%. No ensino médio, foi reduzido de 15% para 7,6%, no mesmo período.

O ministro Mendonça Filho conhece bem os números do Ideb de Pernambuco de 2007, que avaliou a sua gestão como governador do estado na educação. Os resultados daquele Ideb apontam que nos anos iniciais Pernambuco foi 19º estado da federação em desempenho, nos finais foi o pior colocado (27º) e no ensino médio 22º. Melhorou muito depois de seu governo, especialmente na gestão de Eduardo Campos, com uma forte e republicana parceria com o governo federal.

Por isso tudo, ao invés de tentar responsabilizar os governos anteriores pelo fracasso que esse governo já é na educação, o ministro deveria lutar para recolocar a educação como eixo estratégico capaz de colocar o Brasil na sociedade do conhecimento. A educação deve ser concebida como política de estado e precisa de continuidade. 

Nós incorporamos e procuramos aperfeiçoar muitos programas do passado, como por exemplo, o novo significado que demos, por exemplo, ao Fies, Enem e Enade, cujas primeiras iniciativas vinham do governo FHC. O que é grave é o desmonte completo de programas como o Pronatec, Ciência Sem Fronteiras, Hora do Enem, acompanhado de um discurso que procura uma legitimidade que esse golpe nunca teve ou terá. Não se constrói nada em educação quando o único esforço é a desconstrução do passado. O bom gestor na educação está sempre olhando para o vidro da frente do automóvel e não para o retrovisor.

Toda a comunidade da educação brasileira sabe os avanços no acesso, na permanência e na qualidade da educação que realizamos e o retrocesso que está ocorrendo. A emenda constitucional 95 transformará a grave crise dos recursos públicos para a educação em uma situação dramática, já em 2018. É por tudo isso, que na educação brasileira, com tantas correntes do pensamento e pluralidade, o único verdadeiro consenso é: Fora Temer!
Aloizio Mercadante, ministro da Educação entre 2012 e 2013 e de 2015 até o golpe de 2016

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