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domingo, 5 de novembro de 2017

Motorista não pode ser obrigado a saber ler e escrever…


Por Jomar Martins

Uma pessoa com dislexia, que não sabe ler nem escrever, mas que consegue reconhecer os sinais de trânsito, pode se submeter a exames para tirar a carteira de motorista. Isso, segundo a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é possível porque existe normativa do Conselho Nacional de Trânsito disciplinando esta possibilidade, em atendimento ao Estatuto das Pessoas com Deficiência (Lei 13.146/2015).

Assim, o colegiado reformou sentença que, no mérito, havia negado o pedido de um homem diagnosticado com dislexia para fazer as provas no Departamento de Trânsito (Detran) com a ajuda de um funcionário, para ler as perguntas. Apesar da improcedência da sentença, o autor, graças a uma liminar, já havia se submetido aos exames e conseguido a aprovação – decisão posteriormente cassada por recurso do Detran. Com a decisão do TJRS, ele terá sua carteira de habilitação de volta e poderá dirigir normalmente, sem restrições.

Continua…

Sentença improcedente

No primeiro grau, a 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública da Comarca de Santa Maria julgou improcedente o pedido do autor, porque o inciso II, do artigo 140, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), exige que o candidato a condutor saiba ler e escrever. Além disso, a Portaria Detran-RS 456/2012 exige que os motoristas comprovem sua condição de alfabetizados no ato de renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

‘‘A atual legislação de trânsito só permite habilitar como motorista o cidadão que souber ler e escrever. Então, não é a doença que está impedindo ASN de ser considerado habilitado, mas é o fato de não saber ler e escrever, requisito exigido pela legislação. Enquanto não mudar a Lei assim será vedado para todo e qualquer cidadão que não souber ler e escrever, seja por doença ou qualquer outro motivo’’, escreveu na sentença a juíza Eloísa Hernández.

Voto divergente

A relatora da Apelação na 2ª Câmara Cível do TJRS, desembargadora Lúcia de Fátima Cerveira, confirmou o teor da sentença, mas restou vencida pelo voto divergente do colega Ricardo Torres Hermann, que redigiu o acórdão.

Para Hermann, o caso concreto comporta a aplicação da Resolução 572/2015, do Conselho Nacional de Trânsito, que trata dos cursos para habilitação de condutores de veículos. A norma administrativa diz que os candidatos com deficiência auditiva, dislexia e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), no exame de aptidão física e mental, ‘‘terão o dobro do tempo previsto para a realização do exame escrito e a possibilidade de utilização de software específico’’.

Numa leitura mais atenta, segundo o desembargador, a norma leva em consideração a necessidade de se conceder ‘‘condições especiais’’ a candidatos diagnosticados com dislexia – transtorno específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizado por dificuldade no reconhecimento preciso e/ou fluente da palavra, na habilidade de decodificação e em soletração. Ou seja, a intenção da norma é oferecer esta condição especial, e não alijá-los do procedimento.

O magistrado observou que o autor, recebendo atendimento individualizado, foi aprovado na prova teórica e no exame prático de direção, obtendo permissão para dirigir. E, desde que recebeu a CNH, em setembro de 2011, até sua devolução ao Detran, em junho de 2012, não houve registro de nenhuma infração de trânsito. Além disso, o exame pericial neurológico apontou que o autor é capaz de reconhecer sinais, palavras e números por memorização da imagem dos textos ou sinais, sendo considerado lúcido e consciente.

‘‘Em que pese a complexidade da questão em exame, tenho que, confirmada do ponto de vista clínico a capacidade do autor para conduzir veículos automotores, e do ponto de vista prático a sua habilidade e responsabilidade, o impedimento, com base em especialmente em formalismo concernente à aplicação do exame teórico, é medida contraria à ideia de inclusão promovida pela Lei Federal 13.146/15, instituidora do Estatuto da Pessoa com Deficiência’’, definiu o desembargador, reformando a sentença.

Consultor Jurídico

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