FREI MIGUELINHO – Localizado no Agreste Setentrional, a 114 km do Recife, com apenas 15 mil habitantes, Frei Miguelinho escreveu uma página diferenciada nas eleições deste ano, com um recorde nacional e a quebra de um tabu local. Num pleito em que as regras eleitorais a campanha foi reduzida para 45 dias, a prefeita eleita Adriana Assunção (PSB) esteve nas ruas por apenas 17 dias, algo inédito no País. No plano local, quebrou, por sua vez, um velho tabu do machismo enraizado na cultura da política nordestina: a primeira mulher a tomar posse como prefeita do município.
Casada aos 16 anos, mãe de três filhos, hoje com 52 anos, Adriana teve uma única experiência na vida pública: conselheira tutelar por sete anos na sua terra. Mas ela carrega no sangue da política o DNA da família Assunção. É filha de Gaudêncio Assunção, já falecido, três vezes prefeito, que virou um mito, considerado o “pai dos pobres”. Nunca sonhou em um dia governar o município, porque o herdeiro político e sucessor do pai é o irmão Gilmar Assunção, eleito duas vezes prefeito.
Sua entrada em cena faltando poucos dias para o pleito está relacionada diretamente ao irmão. Até o dia 12 de setembro, prazo final permitido para substituição de um candidato majoritário, quem estava em campanha e na boca do povo era Gilmar, mas sua candidatura foi impugnada pelo juiz eleitoral. Certo de que seria eleito, o socialista ainda consultou advogados para recorrer, mas temeu disputar na condição de subjudice.
“Foi aí que meu nome surgiu”, lembra Adriana, chamada às pressas pelo irmão, no mesmo dia 12, para registrar sua candidatura. Os adversários, sob a batuta do prefeito Lula da Capivara (PSD), visto como um coronel que recorre à chibata para domar seus áulicos, fizeram uma queima de fogos na cidade comemorando a desistência de Gilmar. Aquela altura, faltando apenas pouco mais de 20 dias para o povo ir às urnas, Capivara já fizera seu prognóstico de que a eleição estava no papo, porque o adversário não tinha substituo com tamanha envergadura. Estava enganado.
Gilmar, o temido, que liderava todas as pesquisas, chegou a ser zombado nas ruas por ter jogado a toalha. Conhecido na cidade como “Gigi”, ganhou uma paródia transformada em jingle de campanha pelo candidato de Capivara, o atual vice-prefeito Romildo Lima (PSD). “Ô Gigi/Que danado que tu tens/Todo mundo é candidato/Por que tu não foi também”. Este refrão ganhou às ruas da cidade em tom de deboche.
Capivara, o mandatário da antiga Olho D água de Onça, hoje Frei Miguelinho, que começou em terras de antigas sesmarias concedidas no século XVII, não imaginava que uma Assunção de saia era mais difícil de derrotar do que um que usa calça. Comunicativa, jeitosa e carismática, Adriana teve apenas pouco mais de duas semanas para cair na graça do eleitorado. “Agora é ela”, gritava o povo nas ruas, vestido de verde, a cor adotada pelo irmão e que simbolizou a marca da oposição.
Mesmo tendo o legado do velho Gaudêncio como bandeira e a força do irmão, considerado pela população como um dos melhores prefeitos dos últimos 20 anos, Adriana recorreu à velha estratégia da campanha da candidata lisa contra o barão, ou seja, do tostão contra o milhão. Fez apenas dois comícios, três arrastões e usou os 17 dias que lhe restaram para conquistar o eleitorado fazendo o chamado porta a porta, o contato direto com o eleitor.
Abertas as urnas, Adriana bateu o candidato do prefeito por uma frente de 206 votos. Teve 4.897 (45,83%) contra 4.691 votos (43,90%) de Romildo, seu principal adversário, porque ainda estava na disputa Marcos Aguiar, do DEM, como candidato da terceira via, que alcançou 1.097 votos (10,27%). Nas 42 seções eleitorais do município foram registrados mais 141 votos em branco e 306 nulos.
“Minha vitória foi uma homenagem ao meu pai e ao reconhecimento das gestões do meu irmão”, avalia a prefeita eleita. Ela, entretanto, tem seus méritos. “Adriana é uma mulher corajosa, gosta de enfrentar desafios e herdou do pai a vocação de servir, estar junto dos mais pobres e necessitados”, diz o marido Rogério Barbosa, que não teve o privilégio de ser o primeiro a ser informado da candidatura da mulher.
Quando ele chegou a sua casa, a conselheira tutelar havia se transformado em candidata oficial à prefeita. “Foi tudo muito rápido, não tive nem tempo de ligar para Rogério. Gilmar me acionou do cartório me pedindo para trazer todos os meus documentos porque eu iria disputar no lugar dele”, conta Adriana.
Dona Júlia, 74 anos, viúva do varão Gaudêncio, conta que a vocação para o sacerdócio da política por parte da filha é herança legitima do pai. “Já veio do berço. Ela animava os comícios e todos os eventos de campanha do pai”, relata. Rogério, por sua vez, afirma que se apaixonou por Adriana depois de conhecê-la num comício. “Ela estava no palanque com o pai quando meus olhos foram em sua direção. Foi amor à primeira vista”, revela o maridão.
Adriana, Rogério e os três filhos moram no distrito de Lagoa de João Carlos, o maior do município, quase do tamanho da sede, distante 10 km. Foi lá onde nasceu e o pai reinou até a morte, em 2013. Com uma população em torno de 4,5 mil habitantes, abandonada pelo prefeito, que sequer acabou as obras da reforma do único posto de saúde, a localidade foi palco de uma acachapante vitória da socialista.
Ali, bateu o adversário por 667 votos de frente. “Minha vitória é fruto também do desgoverno que Frei Miguelinho vive”, diz Adriana, apontando para duas obras abandonadas no distrito – o posto e uma praça. “Aqui, o prefeito é um fantasma”, reforça o vereador Moisés Ferreira (PSB), o único a escapar nas urnas dos atuais nove vereadores. “Eu já previa que a renovação na Câmara seria alta”, acrescenta. Moisés, ao contrário dos seus colegas, que viram seus votos virarem cinzas, aumentou sua votação de 499 em 2012 para 708 nesta eleição.
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