Invisível ou tachada como traficante em aeroportos, Alexandra Baldeh Loras é exemplo claro do racismo disfarçado no País
Nem o passaporte diplomático livra Alexandra Baldeh Loras das mazelas do racismo. “Sempre me param na alfândega. Acham que sou uma ‘mula’ [pessoa que faz o transporte de drogas], uma traficante de drogas”, conta a jornalista francesa que chegou à capital paulista, há pouco mais de três anos, na posição de mulher do cônsul-geral Damien Loras.
Nesse tempo, Alexandra já sofreu quase todo o tipo de preconceito que as brasileiras negras e pobres sofrem diariamente. “Em eventos [do consulado] que recepciono, muitos convidados não se dão conta de que sou a consulesa. Mesmo depois que pego o microfone para falar algo, não percebem que era eu a pessoa pela qual passaram sem dar atenção na entrada", conta.
“O mesmo acontece em hotéis de luxo, que só me tratam bem depois de ouvirem o meu sotaque, ou quando estou no clube com meu filho, quando perguntam o porquê de eu não estar de branco [traje obrigatório em vários lugares para babás]”, acrescenta. O espanto cresce ainda mais quando esse público elitizado a vê ao lado do marido. "Acham que eu só poderia ser casada com alguma pessoa mais velha, me ligando a algum tipo de oportunista, e não com o Damien, que é lindo”.
Aos 38 anos, a consulesa é uma das mais jovens ativistas da causa negra. Nos últimos meses, fez participações em importantes programas de televisão brasileiros e chamou a atenção pela polêmica e astúcia ao lidar com um público muitas vezes avesso às suas ideias.
Em uma das aparições, indagada sobre se concordava com a política de cotas nas universidades, Alexandra respondeu negativamente e foi imediatamente aplaudida com furor pelo público presente, inclusive pelo próprio entrevistador, Jô Soares. Mas o interessante foi o complemento da resposta. Quando a consulesa disse em meio aos aplausos “mas é a única solução” – chamando a atenção para os 127 anos pós-abolição sem êxito em diversos aspectos – um silêncio absoluto pairou sobre as mesmas pessoas. “É uma das maneiras como eu consigo colocar o assunto. Se você pega uma plateia como aquela, você não pode já dizer o que pensa porque a discussão se fecha”.
O discurso de Alexandra é recheado de números e percentuais, fruto de quem já passou por mais de 50 países e abraçou a causa do preconceito nas redes sociais e na vida pessoal. Ela sabe que o Brasil tem 57% da população formada de pretos e pardos (segundo o IBGE), que 85% das crianças negras apontam a boneca negra como a “má” e que os negros são responsáveis pelo consumo de mais US$ 49 bilhões no País. A consulesa, que considera a leitura do livro “As minhas estrelas negras”, de Lilian Thuram, um resgate da sua própria auto-estima, usa então da sua própria experiência para dizer que o negro no Brasil precisa ser sacado do clichê ainda presente da dupla futebol-samba.
Presença real do negro na cultura
A consulesa é tão favorável ao programa de cotas que acredita que a medida deveria vir de cima, em forma de lei, para retirar o estigma negativo do negro nas expressões artístico-culturais. Segundo Alexandra, é importante a educação racial, mas também a imposição do negro em posições até então brancas no universo cultural. “Estou falando de ter de colocar negros [e negras] em novelas como CEOs das companhias, nas campanhas publicitárias, ou seja, de lhes dar protagonismo”. Quase uma utopia, a considerar o perfil do Congresso. “A maioria deles acha que não tem racismo no País, que é um problema econômico-social”.
Sem comentários:
Enviar um comentário