Na parte final de “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, depois que finalmente são sepultados os mortos inconvenientes que, insepultos, teimavam em dizer verdades pela vila, os principais do lugar criam a “Operação Borracha”, com a qual pretendem apagar da memória do povo os fatos que aconteceram.
Nesta eleição, viveremos aquilo que tentaram fazer na pequena e imaginária cidade.
No mundo “oficial”, aquele descrito pelos principais de nossa imensa vila Brasil, será dito ao povo brasileiro que a prosperidade virá com mais daquilo que temos já há tempos: cortes nos gastos públicos, abandono dos sonhos de progresso (megalomanias, dirão) e com a necessidade de nos ajustarmos – leia, obedecermos – a uma ordem mundial crescentemente injusta.
E que a década que vivemos com aspirações de progresso, com (ainda que parcos) avanços sociais, com a afirmação do Brasil no mundo e com milhões de pessoas, afinal, podendo acreditar em um futuro para seus filhos e netos foi, afinal, uma fantasia, uma espécie de Carnaval que, depois dos quatro dias, tem de se desfazer na duríssima realidade dos “sem-sonho”.
Merval Pereira, que é uma espécie de sumo do pensamento conservador – para que você veja como andamos mal de pensamento conservador – diz que Lula promete um “retorno ao tempo em que, com o mundo prosperando como nunca antes se vira, conseguiu tirar milhões da pobreza”.
Como se vê, na visão desta gente, até para desenvolvimento e justiça social precisamos que venham de onde nunca vieram para país algum: do mundo. E que, claro, conformem-se, não virá mais.
Voltar aos bons tempos é um sonho que embala ainda 30% dos eleitores, que não desconfiam que esse é um sonho impossível.
Explica-se, assim, o empenho de, deixado de lado qualquer prurido institucional, além de “matar” Lula, cuidar que ele seja politicamente sepultado dentro de uma cela e não possa “assombrar” a paz do inferno no qual querem que permaneça o povo brasileiro.
Última obra de Veríssimo, o livro foi lançado em plena euforia do “Brasil que vai pra frente”, com o qual se contava apagar a memória da democracia morta em 64. Hoje, diante do “Brasil que vai pra trás” parece mais difícil que os “apagadores da História” a consigam sepultar.
Madalena França via Tijolaço
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