LIMOEIRO DO NORTE (CE) – Localizado na região do Jaguaribe, com 60 mil habitantes, distante 198 km de Fortaleza, Limoeiro do Norte é o único município brasileiro em que um desembargador federal foi eleito prefeito. Ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sediado no Recife, José Maria Lucena, 71 anos, deixou de almejar a uma vaga de ministro do Superior Tribunal de Justiça para virar prefeito de sua terra natal, num pleito em que obteve 72% dos votos válidos, mas não escapou de ser acusado de mandante do assassinato do radialista Nicanor Linhares Batista, em 2003.
A polêmica perdura até hoje. Na busca por justiça, familiares e amigos do radialista assassinado denunciaram o caso em outdoors espalhados pelo município. "A gente vem sofrendo com a impunidade ao longo de 13 anos. Os bandidos que o mataram já foram condenados ou mortos. No processo, o acusado do crime é o desembargador federal José Maria Lucena e a sua mulher, a ex-prefeita Arivan Lucena”, afirma Kennedy Linhares, filho mais velho, que espalhou seis outdoors pedindo justiça.
O caso embalou a campanha, mas eleitoralmente não surtiu efeito. Eleito com 71,93% dos votos, o desembargador diz que a população não se deixou levar pela denúncia porque sabe que os mandantes são outros. “Fui vítima de uma campanha difamatória conduzida pelo prefeito Paulo Duarte (DEM)”, diz José Maria, para quem o verdadeiro mandante é o adversário que o derrotou nas urnas. “Este desembargador é um bandido”, reage o prefeito, adiantando que a justiça federal só não o levou a júri ainda porque ele obstrui a justiça há muitos anos.
“O caso já avançou muito. A mulher dele, que governou o município, já era para ter sido levada a júri há quatro anos. A justiça federal não ia fazer uma pronúncia se não existissem as provas”, acrescenta o prefeito. Nicanor Linhares Batista era proprietário da rádio Vale do Jaguaribe, em Limoeiro do Norte, e principal adversário da então prefeita Maria Arivan de Holanda Lucena. No seu programa diário, o "Encontro Político", fazia críticas à administração local e acusações de corrupção.
Por causa das denúncias contras políticos da região, ele recebia frequentes ameaças de morte. Em 30 de junho de 2003, enquanto gravava o programa, a rádio foi invadida por duas pessoas, que atiraram diversas vezes em Nicanor e fugiram. O radialista foi atingido por 11 disparos e morreu na hora. Vereador mais votado do município pela segunda vez, com 2.620 votos, o comerciante Chico Baltazar (PSD) diz que o caso não foi o principal mote da campanha em Limoeiro.
“Minha vitória, por uma frente de quase 18 mil votos – 24.938 votos contra 7.342 votos - se deu pela má-gestão do prefeito”, afirma José Maria. O próprio Paulo Duarte, que é delegado de carreira da Polícia Federal e ex-deputado estadual, reconhece que a avaliação da sua administração pesou bastante e afirma que só disputou a reeleição porque não apareceu ninguém do seu grupo politico para enfrentar o desembargador.
Ele conta que procurou o primo, o ex-prefeito Gilmar da Silva, para ser o seu candidato, porque não desejava disputar a reeleição, mas este acabou se alinhando ao prefeito eleito, entrando na sua chapa como vice. “Perdi a eleição pelo isolamento político e pelo massacre que sofri e sofro como gestor. Os municípios brasileiros estão quebrados, mas não fui arrastado para o infortúnio eleitoral sozinho: 80% dos prefeitos do Ceará não conseguiram se reeleger”, afirma.
Quando este blogueiro chegou ontem a Limoeiro do Norte os servidores da saúde realizavam um protesto contra atraso de salário em frente ao prédio da Prefeitura. Presidente do Sindicato dos Servidores Municipais, o professor Aristides Lima acusa o prefeito de ter levado o município ao caos, com obras paradas, postos de saúde fechados e um hospital sem a menor estrutura para atender à população. “A população aguarda a gestão do desembargador com muita expectativa e o elegeu para se livrar do pior prefeito de sua história”, diz o sindicalista.
O prefeito rebate. Garante que paga os servidores em dia e que o atraso se resume apenas ao pessoal da área de saúde pelo repasse federal não ter sido ainda liberado. “Há uma promessa do dinheiro do MAC, fundo federal, que atrasou, ser liberado na próxima sexta e se isso ocorrer de fato eu pago, mas hoje não tenho como pagar”, afirma Duarte. O prefeito diz ainda que tem uma política salarial melhor do que muitos municípios cearenses.
Cita como exemplo o piso de R$ 2.780 pago aos professores do município, acima do piso nacional, que é de R$ 2.170. Duarte diz que poderia ter feito muito mais pelo município não fosse a terrível conjuntura vivida pelo País, mas se orgulha de ter recebido três prêmios na área social em sua gestão, como o Amigo da Criança, o Selo UNICEF e o Aluno Nota Fez, seleção do Estado que premiou os 21 municípios com o melhor aprendizado.
Mas não é este o sentimento da população nem mesmo dos seus próprios aliados. Eleita na coligação majoritária derrotada, a vereadora Lívia Maia (DEM) afirma que o Governo de Duarte recebeu o julgamento das urnas. “O que pesou de fato aqui foi a má-gestão e quando fomos para a campanha o próprio prefeito, que é nosso amigo e da família também, sabia disso”, destacou. Para ela, Limoeiro precisa de um choque de gestão especialmente na área de saúde. “Temos aqui um dos maiores índices de câncer de mama do País e meu mandato será muita nessa linha de prevenção”, afirmou.
Vindo de uma experiência exitosa no Judiciário, o desembargador José Maria Lucena afirma que foi eleito sem fazer promessas e que fugiu ao convencional, não pedindo voto. “Não fiz uma visita pessoal sequer. Minha campanha se resumiu aos comícios”, afirma, acrescentando que também não pode ser acusado de fisiologista. “Fizemos muitas carreatas, mas não dei um litro de gasolina a ninguém”, ressaltou.
Para ele, o grande desafio será soerguer o município. “Precisamos melhorar o hospital, colocar os postos de saúde para funcionar, reduzir despesas e pedir a Deus que chova, porque aqui dependemos muito da agricultura. Limoeiro é o maior produtor de milho verde do País, mas nossas reservas hídricas estão acabando, como o açude Castanhão, que só tem 10% das suas reservas”, afirmou. Por Magno
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