“A fome não é só uma tragédia, mas uma vergonha para a humanidade” [Papa Francisco]
Triste e assustadora, para dizer o mínimo, a notícia de que 33 milhões de brasileiros passam fome. A pesquisa divulgada nesta semana pela Rede Penssan acrescenta que seis de cada 10 pessoas enfrentam algum grau de insegurança alimentar no País, e que um de cada três brasileiros já fez alguma coisa que lhe causou vergonha, tristeza ou constrangimento para conseguir alimento.
O Brasil já foi considerado um modelo para o mundo. Há poucos anos, nos orgulhamos de ter saído do centro do Mapa da Fome. Menos de dez anos depois, 15% da nossa população é levada a conviver com este flagelo infame. Segundo os estudos do assunto, neste quesito o País regressou três décadas na história, chegando a índices de insegurança alimentar de 1993.
Necessário lembrar que para enfrentar a situação degradante daquela época, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Foi o início de um programa estruturado para reduzir uma mazela que atingia 32 milhões de brasileiros. Logo depois veio o Fome Zero, que também deu grande contribuição para retirar famílias da zona de vulnerabilidade alimentar.
Objetivamente, o que vimos nos últimos anos foi o desmonte de uma estrutura que, se não resolveu o problema em definitivo, pelo menos ajudou a melhorar as condições de vida de milhões de pessoas. Peguemos o exemplo do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), transformado em Alimenta Brasil. Em 2012, essa política pública contava com um orçamento de R$ 586 milhões. Em 2022, os recursos não passam de R$ 58,9 milhões – uma redução de 90%.
É certo que a pandemia e o desemprego contribuíram para aprofundar as desigualdades. O quadro revelado mostrou um cenário de miséria muito maior do que aquele imaginado por grande parte da sociedade e das autoridades. A verdade passou na nossa frente em imagens degradantes de gente revirando lixo e buscando osso para comer, e agora os números revelam o tamanho da gravidade do problema.
Outro dado assustador, além da fome e da inflação galopante que solapa o poder de compra da maioria dos brasileiros, aponta que mais de 19 milhões de pessoas estão vivendo na extrema pobreza e outras 106 milhões vivem com apenas R$ 14 por dia.
Enfrentar a fome e a miséria sempre deve ser uma prioridade. Não precisamos reinventar a roda. Temos a experiência das ações de proteção social que já demonstraram efetividade.
O que falta é vontade política, e uma boa dose de consciência, para retomar as iniciativas e, claro, alocar recursos suficientes para atender a enorme parcela de excluídos que alguns agora parecem perceber, mas sem um sentimento de indignação à altura do desarranjo revelado.
Voltando aos dados da pesquisa da Rede Penssan, causa espanto outro número sobre a insegurança alimentar. São 125,2 milhões de pessoas nesta situação no nosso País, um aumento de 60% na comparação com 2018. Hoje, somente 41% da população brasileira tem acesso estável a alimentos. A situação é melhor para brancos (53,2%) e pior para pretos e pardos (35%).
Ver estes dados me causa indignação e me faz lembrar uma manifestação do Papa Francisco que diz: “Diante dessa realidade (a fome), não podemos permanecer insensíveis ou paralisados. Somos todos responsáveis”. Minha indignação cresce porque conheço o funcionamento de programas de segurança alimentar.
Ainda na década de 1950, o médico e nutricionista Josué de Castro, cunhou uma máxima que repete a atual e triste realidade. “Hoje em dia, ninguém dorme à noite no Brasil por causa da fome: 50% deles porque estão com fome. E os outros 50% porque têm medo daqueles que têm fome.”.
Fui secretário de Estado entre 2011 e 2014, e conseguimos investir R$ 92 milhões no programa Compra Direta, que levava alimento das pequenas propriedades e cooperativas da agricultura familiar para milhares de organizações de assistência social. Atendemos 1,5 milhão de pessoas e 12 mil pequenos agricultores em pouco mais de três anos.
Esta era uma boa parceria que o Paraná tinha com o governo federal.
No Paraná, o Estado acatou a minha sugestão e criou o Compra Direta Paraná, que utiliza recursos do Fundo Estadual de Combate a Pobreza. Nos próximos dois anos, estão previstos R$ 40 milhões para aquisição de alimentos para entrega direta a entidades socioassistenciais que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade.
Retomar programas que já deram certo, sem ideologizar a questão da fome, é um dos caminhos que podemos tomar para diminuir as desigualdades, a miséria e a pobreza. No âmbito federal, isso tem que ser feito com urgência. Como diz outra máxima, essa do Betinho: quem tem fome, tem pressa!
*Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual (PSD) e primeiro-secretário da Assembleia Legislativa do Paraná.
Postado por Madalena França
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