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sábado, 29 de agosto de 2015

Polarização no exterior: Petista em Miami conta como é viver em 'reduto aecista'


João Fellet
Enviado especial da BBC Brasil a Miami
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Em Miami desde 1983, o escritor carioca Chico Moura diz ser vítima do "ódio incontido" de parte da comunidade brasileira na cidade. O motivo: votou em Dilma Rousseff na última eleição.

"Fui bastante escorraçado, xingado", afirma ele à BBC Brasil.

No segundo turno da eleição do ano passado, 91,79% dos brasileiros que votaram em Miami escolheram o candidato tucano Aécio Neves. Moura faz parte dos 8,21% que votaram em Dilma, quem ele considera uma "tremenda mulher".

"Sempre fui PT", diz o escritor, que cita a redução da pobreza no Brasil no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Moura afirma que nem sempre a comunidade brasileira em Miami foi tão alinhada à oposição e que, quando chegou à cidade, só 3 mil compatriotas moravam ali. Hoje estima-se que sejam 300 mil.

"O brasileiro daquela época era mais aventureiro, trabalhava em diferentes atividades. O sujeito saía do Brasil como bancário e ia trabalhar numa fábrica de metais. (...) Não tinha essa coisa política, um êxodo de refugiados políticos. Hoje as pessoas que chegam vêm dessa pressão política, o que é uma coisa questionável."

Desde que os protestos contra Dilma Rousseff ganharam força no Brasil, brasileiros em Miami passaram a organizar atos na cidade. No último, em 16 de agosto, cerca de cem pessoas compareceram com cartazes e roupas verde-amarelas.

De analista a operário

Moura se mudou para os Estados Unidos pela primeira vez em 1972, 11 anos antes de se fixar em Miami. Buscava uma vaga de analista de sistemas, mas trabalhou como polidor de metais numa fábrica em Nova Jersey.

Entre idas e vindas ao Brasil, quando começou a atuar como jornalista, retornou aos EUA em 1978 e se tornou correspondente do jornal "O Globo" em Nova York.

Um dia saiu para pescar em Long Island, ilha próxima a Manhattan. Não pegou nada, mas um homem a seu lado fisgou dez anchovas.

Tempos depois, um amigo lhe convidou a pescar em Fort Lauderdale, cidade vizinha a Miami. Naquele dia, Moura pescou 11 corvinas, e o amigo voltou de mãos vazias. A sorte parecia lhe sinalizar algo.

"Resolvi mudar para Miami por causa de uma pescaria."

Na época, ele diz que a comunidade brasileira era mais unida. A cidade era menor, e cantores famosos a pulavam em suas turnês pelos Estados Unidos. "Miami era um balneário de pessoas que moravam no norte e vinham no inverno pra cá."

Segundo o escritor, Miami tinha uma comunidade de apenas 3 mil brasileiros nos anos 1980

As primeiras levas significativas de turistas brasileiros, afirma ele, eram formadas por "'teenagers' (adolescentes) que vinham para comprar tudo, qualquer porcaria, videocassete, bonequinhos".

Ele conta que os comerciantes do centro da cidade viram no grupo a chance de ganhar dinheiro fácil e passaram "a vender gato por lebre". Acabaram se queimando com a comunidade.

"Hoje mudou o perfil, e os brasileiros vêm para se divertir."

De 20 anos para cá, afirma, Miami entrou no roteiro cultural dos Estados Unidos. South Beach, um dos mais famosos bairros da cidade, virou "uma concentração de showbusiness". "Miami está na moda."

Amigo famoso

Dos primórdios da colônia na cidade, ele lembra o dia em que o cônsul brasileiro em Miami lhe telefonou com um pedido: queria que Moura mostrasse a cidade a um jovem de 20 e poucos anos que chegara com uma carta assinada pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987).

O jovem se chamava Romero Britto e buscava começar uma carreira como artista plástico.

"Ficamos três dias rodando a cidade. Ele pediu um jornal meu e pintou um rosto de um palhaço, uma cara de mulher." Moura guarda a pintura até hoje. "De lá para cá, ficamos amigos."

Chico Moura conta que Miami entrou para o roteiro cultural norte-americano nos últimos 20 anos

Com suas pinturas coloridas, Britto se tornou um dos pintores brasileiros mais conhecidos no exterior, embora jamais tenha sido aceito pelo estabilshment das artes no Brasil.

Conforme Miami se tornou mais popular entre brasileiros, Moura abriu e vendeu jornais, apresentou um programa de rádio, trabalhou com TV.

Nos últimos anos, deixou a rotina das redações para poder viajar e escrever mais. Virou motorista de táxi e publicou um livro sobre a experiência. Outro livro seu, Tatuagens, conta a história de imigrantes brasileiros na costa leste dos Estados Unidos. A capa é ilustrada por Romero Britto.

'Ódio incontido'

Mesmo longe do Brasil há décadas, Moura acompanha o noticiário local com atenção. Ele diz que há no país um clima de "ódio incontido" alimentado por disputas políticas.

Para ele, os brasileiros deveriam se espelhar na posição dos argentinos durante a Guerra das Malvinas, em 1982.

"Os partidos argentinos se odiavam, e houve uma argentinização, uma união em função de inimigo comum, os ingleses."

"Acho que o Brasil poderia tirar partido disso agora e acontecer uma espécie de brasilidade, para unir todo o povo em função de um inimigo comum, que é a corrupção. "

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